Antes, era nada
Na finitude de ser coisa, com nome
Incapaz de ver o nada
donde fui tirado, revelo um segredo
onde estou mergulhado:
Serei Nada
Antes, era nada
Na finitude de ser coisa, com nome
Incapaz de ver o nada
donde fui tirado, revelo um segredo
onde estou mergulhado:
Serei Nada
Sensus extremus
Ensurdece, demasiado ruído
Apaga, demasiada proximidade
Cega, demasiada luz
Regela, demasiado frio
Enfraquece, demasiada liberdade
Incomoda, demasiado prazer
Desagrada, demasiada melodia
Paralisa, demasiada beleza
Ofusca, demasiada perfeição
Enlouquece, demasiado pensar
Corrói, demasiado sentir
Anestesia, demasiado amor
Abala, demasiada verdade
Gasta, demasiado tempo
…
Não sentimos os excessos
Texto de Luís Barreira, 1991
*Trabalhos expostos na primeira Bienal de Vila Franca de Xira, 1989
Equinócio da Primavera
No século XVI, Cesare Ripa, no seu tratado de iconologia, descreve a “Fecundidade” (ver imagem) como uma “mulher coroada com folhas de zimbro que com as mãos aperta contra os seus seios um ninho de pintassilgos com os seus filhotes (pássaro que alguns confundem com o pardal). Segundo Plínio, lib. X, cap. LXIII, o pintassilgo é um dos mais pequenos mas dos mais profícuos animais, pondo de cada vez doze ovos.
A seus pés, uma galinha com os pintos recém-nascidos, saindo de cada ovo. Do outro lado, uma lebre rodeada pelas crias.
O zimbro é a planta que possui sementes capazes de alimentar os animais. Os pintassilgos representam as crias, os filhos; as galinhas, os ovos e os coelhos anunciam a fertilidade, que é a maior bênção que uma mulher pode ter no casamento”.
Toda esta imagem iconográfica (Mulher coroada com zimbro, acompanhada de Ovos, Pintassilgos, coelhos, galinhas) evidencia a aspiração ancestral do ser humano: o anseio de abastança, o desejo de fertilidade e de fecundidade.
Ancestralmente, certos povos pré-históricos efectuavam diversos rituais, por altura do equinócio da primavera, tendo como propósito nas suas preces o desejo de um ano novo, do renovar da esperança e sobretudo do desejo de abundância e fertilidade.
Alguns destes costumes pagãos, apesar de aculturados, chegaram até nós com os mesmos propósitos de então. No Alentejo existe um ritual, em S. Pedro do Corval, onde as mulheres atiravam, e ainda atiram, calhaus rolados (supostamente ovos) para o topo de uma formação rochosa, denominado “Rocha dos Namorados”, de configuração erecta (figura do órgão masculino), cravado na terra (símbolo da deusa mãe) procurando assim a fertilidade e a fecundidade desejadas. Segundo a tradição, ainda presente, as raparigas solteiras vão à “rocha dos namorados”, na segunda-feira de Páscoa, lançar uma pedra para cima do menhir procurando resposta sobrenatural em matéria do seu enlace: cada lançamento falhado representa mais um ano de espera do seu casamento.
Numa leitura mais atenta aos monumentos megalíticos circundantes, encontramos o Alinhamento ou Cromeleque dos Almendres (estas construções, únicas na Europa ocidental, estendem-se desde Inglaterra até Portugal), um recinto alongado, com cerca de uma centena de menhires, na sua maioria de forma ovóide, que constituiu, por certo, além de uma construção de carácter multifuncional capaz de organizar e estruturar a sociedade envolvente, uma estrutura de carácter religioso envolvendo, supostamente, rituais propiciatórios de fecundidade. Um dos menhires, situado na extremidade norte, exibe três imagens solares radiadas. Tal iconografia corresponde, provavelmente, ao momento final do Neolítico, quando na região se fizeram sentir as primeiras influências culturais das primeiras comunidades da idade dos metais, portadoras de uma nova estrutura religiosa. Esta religiosidade centrada numa divindade feminina, idealizada com grandes olhos solares, assumira-se como a grande “deusa ibérica”. Certamente que estas manifestações na Europa ocidental, feitas através de cerimónias de carácter sexual, com libações e outras ofertas corporais, não são alheias a um dos mais importantes rituais em honra de Ishtar, deusa da fertilidade, deusa dos arcádios. Esta divindade, Ishtar, não é mais do que a representação da deusa Inanna, herança dos seus antecessores povos sumérios; cognata da deusa Asterote dos filisteus; da deusa Isis dos egípcios; e da deusa Astarte dos Gregos. Mais tarde esta deusa, Ishtar, foi assumida também na mitologia Nórdica como Easter (Páscoa em Inglês), a deusa da fertilidade e da primavera.
No equinócio da primavera, os participantes em honra da deusa da fertilidade Easter pintavam e decoravam ovos escondendo-os em tocas nos campos, na sequência de anteriores práticas já exercitadas pelos Persas, Romanos, Judeus e Arménios.
texto escrito em 1991
Pintura