Suzanne Valadon - Cher petit Biqui...

Suzanne Valadon e o seu filho Maurice

Suzanne Valadon 

 

Marie-Clémentine Valade (Suzanne Valadon) foi uma pintora francesa pós-impressionista e uma personalidade marcante na vida artística parisiense. Filha de mãe solteira, sem recursos financeiros, Suzanne foi garçonete nos cafés de Montmartre e acrobata em espectáculos circenses; nomeadamente nos cabarets mais conhecidos de Paris como o Le Chat Noir. Eram lugares de encontros e desencontros. Eram, sobretudo, espaços de tertúlias de poetas e artistas. E é nesse cabaret, Le Chat Noir, que Suzanne conheceu Miquel Utrillo, um artista e crítico de arte catalão, por quem sentiu uma atração graciosa tornando-se amantes. Utrillo, um republicano liberal, era casado com Ramona Morlius i Borrás, e estava em Paris exilado (desde 1867 a 1882). Desse “desencontro” nasceu Maurice (1883) sem que, Suzanne, nunca tenha mencionado o nome do pai. Utrillo haveria de regressar a Paris, mais tarde, em 1889, aquando da Exposição Universal de Paris, tendo-se verificado um encontro com Suzanne afim de reconhecer legalmente a paternidade do seu filho, Maurice Utrillo Valadon. Suzanne não é mais acrobata. Após uma queda, lesionou a coluna, retirou-se do circo tornando-se modelo de alguns dos melhores pintores da época: o seu charme vagabundeia nas telas de Renoir, Toulouse-Lautrec e Puvis de Chavannes. O seu encanto arrasta consigo outras paixões. Sob a protecção de Edgar Degas iniciou-se no desenho e na pintura tornando-se, pouco tempo depois, na primeira mulher admitida na Société Nationale des Beaux-Arts.[1]Suzanne Valadon foi admirada pelos seus pares. O seu espólio atesta essa qualidade artística. A sua paixão entregue à pintura fez-lhe esquecer outros “aborrecimentos”. Em 1893, o grande compositor Erik Satie apaixonou-se por Suzanne. Foi a única história de amor conhecida de Erik Satie e durou apenas cinco meses. Satie ficou muito afectado pela separação e pela dor causada por este desenlace. Com a alma dilacerada, compôs uma grande obra, Vexations[2](aborrecimentos), cuja melodia estava destinada a ser repetida oitocentos e quarenta vezes seguidas (isto é, ao longo de doze a vinte e quatro horas). O compositor consumido se transforma em poeta e escreve esta magnífica declaração epistolar: Cher petit Biqui...

 

Erik Satie e Suzanne Valadon


Impossible
de rester sans penser à tout
ton être; tu es en moi toute entière; partout
je ne vois que tes yeux
exquis, tes mains douces
et tes petits pieds d’enfant.
Toi tu es heureuse; ce n’est pas
ma pauvre pensée qui ridera ton front transparent ;
non plus que l’ennui de ne point me voir.
Pour moi il n’y a que la glaciale
solitude qui met du vide dans la tête
et de la tristesse plein le cœur.
N’oublie pas que ton pauvre ami
espère te voir au moins à un de ces trois rendez-vous:
1° Ce soir à 9 heures moins le quart de chez moi
2° Demain matin encore chez moi
3° Demain soir chez Devé (Maison Olivier)
J’ajoute, Biqui chéri, que je ne me mettrai
nullement en furie si tu ne peux venir à ces rendez-vous;
maintenant je suis devenu terriblement raisonnable;
et malgré
le grand bonheur que j’ai à te voir
je commence à comprendre que tu ne peux point toujours
faire ce que tu veux.
Tu vois, petit Biqui, qu’il y a commencement à tout.
Je t’embrasse sur le cœur.

 

 

Texto, 1998 – 2023 © Luís Carvalho Barreira







[1] Marques, Luiz, Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Arte Francesa e Escola de Paris. II, pág. 176

[2] A misteriosa partitura foi descoberta após a morte do compositor, por John Cage.