Não deixa de ser curioso que Cristina de Pisano comece por descrever Vénus como um planeta (o mais luminoso, portanto o mais bonito no céu) e que os antepassados apelidaram de Deusa do Amor. A sua forte influência nos amantes fá-los brandir os corações acompanhadas de preces. Figuras masculinas e femininas apresentam-se com as suas vestes de azul ciano à semelhança da deusa Vénus, símbolo de amor e de paixão. Porém, deixa um alerta para a “perigosidade na perseguição de tais objectivos amorosos, porque são perigosos e nada honrosos. Vénus tem uma grande influência no amor e na imprecisão”. E o alerta continua dirigindo-se ao seu cavaleiro para que não se deixe levar pelo chamamento da deusa do amor, nem pela fraqueza do corpo, relembrando Hermes que disse que contra “o vício da Luxúria são todas as virtudes”. As virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade), que autora se refere, aparece aqui, metaforicamente, como um conselho ao bom cavaleiro que “a boa esperança não deve ter vaidade em si mesma”. E seguindo numa tradução literal do texto original, “a vaidade é a mãe de todo mal-estar, a fonte de todos os vícios e veias de iniquidade, que tira o homem da graça de Deus e o coloca em seu agressivo”. Nos mandamentos divinos, cristãos, a vaidade é considerada um exemplo de orgulho estando catalogado como um dos sete pecados capitais.
Por fim, o texto aparece uma citação em Latim da obra “Manipulus florum”[4]: "Odisti observantes vanitates supervacue"[5], numa clara alusão a vacuidade da Vaidade. Segundo a Bíblia a vaidade é algo de falacioso, sem consideração, levando à ostentação e à idolatria.
Em suma, a Vénus pagã, símbolo do amor, da paixão, da beleza, aparece aqui com uma roupagem dual, colocada no reino dos céus e adorada por todos aqueles que acreditam no amor divino.
2000-2020 ©Luís Barreira
BIBLIOGRAFIA
· 'Épître d'Othéa' [Cod. Bodmer 49 Pizan] {Cologny, Fondation Martin Bodmer} is available online through e-codices, the Virtual Manuscript Library of Switzerland. [http://www.fondationbodmer.org/]
· 'The Epistle Of Othea To Hector: Or The Book Of Knighthood' (1904).
· An alternative contemporary set of Othea Epistle miniatures is available from Meermanno Museum in The Hague : these include descriptions of each in English (that I was too lazy to marry up with the example miniatures seen above).
· Christine de Pisan at The Middle Ages.
· Christine de Pizan wrote Othea’s Epistle to Hector (the Book of Knighthood) around the beginning of the 15th century.
· Christine de Pizan, Le livre de la Mutacion de fortune, enluminé par le maître de l'Épître d'Otéa, début XVe siècle, inv. 494.
· Christine de Pizan: Wikipedia, New Advent, CSU Pomona, UPenn.
· Tangential: Christine de Pizan The Making of the Queen's Manuscript at Edinburgh University Library.
· Charity Cannon Willard, United States (1914-2005) was a biographer of early French feminist and author Christine de Pizan (1363-1440).
· Christine de Pizan: Her Life and Works by Charity Cannon Willard (1984)
· Charity Cannon Willard at GoodReads.com
· Christine de Pizan’s The Book of Deeds of Arms and of Chivalry by Christine de Pizan and translated and edited by Sumner and Charity Cannon Willard.
SITES CONSULTADOS
· https://www.porkopolis.org/pig_artist/epistle-othea/
· http://bibliodyssey.blogspot.com/2011/06/book-of-knighthood.html
· http://www.pizan.lib.ed.ac.uk/otea.html
[*] Source gallica.bnf.fr / Bibliotèque National de France. Département des manuscrits. Français. 606
[1] “Na mitologia grega, Heitor era príncipe de Troia e um dos maiores guerreiros na Guerra de Troia, suplantado apenas por Aquiles. Era filho de Príamo e de Hécuba e irmão de Páris”.
[2] Plotino: Enéadas II, 9, 4, 27.
[3] Texto em francês medieval. Consultado em: http://www.pizan.lib.ed.ac.uk/otea.html
[4] Thomas da Irlanda (Thomas Hibernicus), escritor, antologista e indexador, formou-se na Universidade de Sorbone, que na época era a maior biblioteca da cristandade, completou o primeiro manuscrito de seu Manipulus florum (1306), uma coleção de citações oficiais.
[5] “odiai vaidades supérfluas”.