Suzon é o nome desta jovem mulher que se encontra por trás do balcão, num bar do Folies-Bergère. Este é o último testemunho da vida atribulada do pintor Édouard Manet (1832-1883). O realismo social retratado neste quadro esvai-se nas pinceladas rápidas e imprecisas como a vida do pintor. São seguramente pinceladas impressionistas. Agitadas como as pessoas reflectidas no enorme espelho que serve de cenário ao quadro. Um lugar mágico que, como disse Maurice Merleau-Ponty, transforma “as coisas em espectáculos, os espectáculos em coisas, eu nos outros e os outros em mim”. É seguramente uma imagem, quase narcísica, que nos faz participar no acontecido. Nós (espectadores) vemos o que ela vê. Os pés de um acrobata num trapézio, no canto superior esquerdo, alerta-nos para o que está a acontecer entre as várias cartolas que se encontram, em baixo, a disputar as mulheres disponíveis. Alheios, provavelmente, aos tumultos políticos dos nacionalismos que assolam por toda a Europa e em França, em particular, ao sentimento anti-alemão (após a derrota na guerra Franco-Prussiana) ainda presente, afogam as mágoas em álcool e entregam-se à vida mundana que o Folies-Bergère pode obsequiar. Um enorme candelabro, sem recorte nem definição executado através de pinceladas fortes e justapostas, serve para reforçar a nossa atenção na garçonete situada no centro da composição. É uma jovem, loira, de rosto redondo, vestida com um corpete de veludo preto, generosamente decotado e arrematado por uma renda deixando a descoberto um pingente, seguro por uma fita negra, que repousa no seu regaço. Um pequeno ramo de flores eleva a sequência de botões alinhados, bem abotoados, sublinhando a beleza da pessoa retratada. Tem uma plasticidade muito mais próxima do Realismo onde Manet se fundeou e que fez questão em reforçar no diferente tratamento pictórico e plástico dado à personagem crucial. Ela está estática, com as duas mãos viradas para o seu interior assentes no balcão. Tem um olhar circunspecto enquanto atende um cliente que nós subentendemos, somente, pelo reflexo verificado no espelho. Esse homem não existe. É um fantasma! C’est un fantôme! O seu rosto apresenta-nos um olhar vazio fixado num plano terreno: num foco no infinito, num pensamento ausente. Ela não esboça atenção, nem sequer um leve sorriso de delicadeza. Pelo contrário, o que o reflexo ao espelho nos apresenta, é uma figura ligeiramente curvada como quem escuta as insondáveis palavras do cavalheiro. Ela não oferece nada. Não vende nada, apesar das inúmeras garrafas ao seu redor. Ela não se oferece... ela foi convidada a posar[1] para a última obra do pintor e assiste à inexorável decadência do pintor. Manet está doente; gravemente doente, com uma paralisia parcial provocada pela sífilis que contraiu. Em 1883, Manet foi-lhe amputada a perna esquerda e devido à gangrena morreu dias depois.
texto, 2001 © Luis Carvalho Barreira
[1] A mulher no bar é uma pessoa real, conhecida como Suzon, que trabalhava no Folies-Bergère no início da década de 1880. Para a sua pintura, Manet convidou-a a posar no seu estúdio.