REDUTOS
Os redutos da Natureza.
Não foi na pesquisa arqueológica dos espaços naturais ou de paisagens imaculadas que este projecto fotográfico se empenhou e se fundamentou. E muito menos no registo óbvio ou na sua evidência formal. Durante vários anos, fomos impelidos para o seio dos grandes espaços naturais, recolhendo vários registos fotográficos numa tentativa, quase religiosa, de comunhão mútua. O prazer extraído desses momentos, como se tratasse de uma consonância poética, foi o de podermos viver no seu corpo em demasia. Assim, nesse excesso, nessa necessidade, nesse desejo que se exprime através de actos ou acções que se confundem com a sensibilidade quotidiana, porque o acto criativo é também o sentimento, reside a nossa pesquisa e o nosso objecto de trabalho. As singelas fotografias apresentadas aqui, quase subsumidas em mantos de nevoeiro, remetem-nos para os últimos REDUTOS de uma nova dimensão plástica, testemunham essa preocupação minimal ao mesmo tempo que ganham uma plasticidade, quase irreal, tangível ao processo criativo – corpo poiético – das artes plásticas. É nessa condição de criador e artista plástico que fotografo. Fotografo com os modelos que pinto, e pinto com a mesma natureza que fotografo. Esta justaposição de naturezas de expressão plástica distintas leva-nos a querer que no dia em que a fotografia – portadora de uma linguagem e expressão plástica - deixar de reflectir esta dimensão “poética”, possibilitando à comunidade construir um “juízo crítico”, capacidade extrema de sentido, dizível, na medida em que o objecto estético se caracteriza pela expressividade apreendida não só pelo sentimento, mas também pelo entendimento, diremos que a fotografia (ou a arte em geral) prostitui-se ao eclectismo crítico fuliginoso, ou a intervenções artísticas de simples persuasão. Nada é mais redutor do que entender uma “imagem” unicamente pela emanação do logos (reflexo, comparação ou reflexão) no objecto artístico (vulgo, obra de arte). A expressão plástica é, muitas das vezes, mais simples: e a sua simplicidade reside apenas na sua plasticidade tangível a gestos felizes e a felicidades de expressões. Neste sentido, procurei na fotografia o médium privilegiado para testemunhar a minha relação com as coisas a dois níveis: primeiro, numa inegável atracção física e, por último, numa cumplicidade poética e plástica. O primeiro impulso físico libertou-me enquanto fruidor, o segundo condicionou-me enquanto criador artista. Condicionou-me porque nem sempre a Natureza se apresenta com as roupagens almejadas, com as cores pretendidas ou com a luz desejada, factores importantes para que se possa alcançar a ideia pretendida ou objecto final – a fotografia. Nesta busca obsessiva, nem sempre observável, transformou-se em desafio constante a pesquisa fotográfica até aos seus últimos REDUTOS. O pathos extraído da Natureza realizou-se, por vezes, de uma forma mais singela, inaudita, que é quando o seu corpo transmigra para a nossa vida e quando o seu registo passa a fazer parte da nossa existência. É nesta dicotomia de fruidor e criador que estas fotografias devem ser lidas: o nosso re-encontro com a Natureza… e com a natureza da fotografia.
texto de Luís Barreira