Ovo da Páscoa
Muitos dos actuais símbolos ligados à Páscoa não são mais do que resquícios culturais, aglutinações existentes em algumas festividades pagãs ao longo da história da humanidade. Com o aparecimento do cristianismo, muitos desses rituais pagãos da celebração da passagem do Inverno para a Primavera foram adaptados, fundindo-se com a celebração da ressurreição de Cristo: a Páscoa.
Mas, porque costumamos presentear os nossos amigos e familiares com ovos na Páscoa? O que é que eles representam?
Todas estas actividades (rituais, festas, jogos) com ovos têm o seu significado e uma razão de ser, quer pelo seu carácter simbólico, quer pelo seu sinal metafórico. Ao longo de toda a história da humanidade, o Ovo foi sempre reconhecido como símbolo do renascimento, da esperança, da causa primeira, do gérmen, da origem e do princípio. Em suma, o Ovo confina em si o mistério da vida.
No século XVI, Cesare Ripa, no seu tratado de iconologia, descreve a “Fecundidade” (ver imagem) como uma “mulher coroada com folhas de zimbro que com as mãos aperta contra os seus seios um ninho de pintassilgos com os seus filhotes. Segundo Plínio, lib. X, cap. LXIII, o pintassilgo é um dos mais pequenos mas dos mais profícuos animais, pondo de cada vez doze ovos.
A seus pés, uma galinha com os pintos recém-nascidos, saindo de cada ovo. Do outro lado, uma lebre rodeada pelas crias.
O zimbro é a planta que possui sementes capazes de alimentar os animais. Os pintassilgos representam as crias, os filhos; as galinhas, os ovos e os coelhos anunciam a fertilidade, que é a maior bênção que uma mulher pode ter no casamento”. Toda esta imagem iconográfica (Mulher coroada com zimbro, acompanhada de Ovos, Pintassilgos, Coelhos, Galinhas) evidencia a aspiração ancestral do ser humano: o anseio de abastança, o desejo de fertilidade e de fecundidade.
Ancestralmente, certos povos pré-históricos efectuavam diversos rituais, por altura do equinócio da primavera, tendo como propósito nas suas preces o desejo de um ano novo, do renovar da esperança e sobretudo do desejo de abundância e fertilidade. Alguns destes costumes pagãos, apesar de aculturados, chegaram até nós com os mesmos propósitos de então. No Alentejo existe um ritual, em S. Pedro do Corval, onde as mulheres atiravam, e ainda atiram, calhaus rolados (supostamente ovos) para o topo de um aflorado rochoso, denominado “Rocha dos Namorados”, de configuração erecta, saído da terra procurando assim a fertilidade e a fecundidade desejadas. Segundo a tradição, ainda presente, as raparigas solteiras vão à “rocha dos namorados”, na segunda-feira de Páscoa, lançar uma pedra para cima do menhir procurando resposta sobrenatural em matéria do seu enlace: cada lançamento falhado representa mais um ano de espera do seu casamento.
Numa leitura mais atenta aos monumentos megalíticos circundantes, encontramos o Alinhamento ou Cromeleque dos Almendres (estas construções, únicas na Europa ocidental, estendem-se desde Inglaterra até Portugal), um recinto alongado, com cerca de uma centena de menhires, na sua maioria de forma ovoide, que constituiu, por certo, além de uma construção de carácter multifuncional capaz de organizar e estruturar a sociedade envolvente, uma estrutura de carácter religioso envolvendo, supostamente, rituais propiciatórios de fecundidade. Um dos menhires, situado na extremidade norte, exibe três imagens solares radiadas. Tal iconografia corresponde, provavelmente, ao momento final do Neolítico, quando na região se fizeram sentir as primeiras influências culturais das primeiras comunidades da idade dos metais, portadoras de uma nova estrutura religiosa. Esta religiosidade centrada numa divindade feminina, idealizada com grandes olhos solares, assumira-se como a grande deusa local, “ibérica”. Certamente que estas manifestações na Europa ocidental, feitas através de cerimónias de carácter sexual, com libações e outras ofertas corporais, não são alheias a um dos mais importantes rituais em honra de Ishtar, deusa da fertilidade, deusa dos arcádios. Esta divindade, Ishtar, não é mais do que a representação da deusa Inanna, herança dos seus antecessores povos sumérios; cognata da deusa Asterote dos filisteus; da deusa Isis dos egípcios; e da deusa Astarte dos Gregos. Mais tarde esta deusa, Ishtar, foi assumida também na mitologia Nórdica como Easter (Páscoa em Inglês), a deusa da fertilidade e da primavera.
No equinócio da primavera, os participantes em honra da deusa da fertilidade Easter pintavam e decoravam ovos escondendo-os em tocas nos campos, na sequência de anteriores práticas já exercitadas pelos Persas, Romanos, Judeus e Arménios.
Mais recentemente, os cristãos na Rússia czarista e a igreja ortodoxa, durante a celebração da Páscoa, tinham e ainda têm como costume, ao beijarem-se, dizer: "Cristo ressuscitou"… e ao mesmo tempo que recebem um presente, proclamavam: "Verdadeiramente, Cristo ressuscitou"… Assim, quando o Czar Alexandre III encomendou, em 1885, ao célebre artista e ourives Peter Carl Fabergé uma obra de arte para presentear a imperatriz Maria Feodorovna na Páscoa, este criou uma série de ovos encaixáveis contendo no seu interior uma surpresa em ouro, prata e pedras preciosas sublimou artisticamente práticas culturais ancestrais.
Podemos encontrar outros ovos, embora mais modestos, mas também cheios de significado nos povos europeus de origem anglo-saxónica que os pintam escondendo-os nos jardins ou nas casas para que as crianças os possam encontrar. Na Inglaterra os jovens desenvolvem, durante a comemoração da Páscoa, uma actividade curiosa que consiste em fazer rolar os ovos por um plano inclinado até que um deles subsista intacto – o “egg rolling”. Prática semelhante pode ser encontrada na Ucrânia chamada de “KrepaK”, em que grupos de crianças visitam as casas pedindo ovos e depois num jogo/ritual os entrechocam, considerando-se vencedor o ovo cuja casca não se tenha quebrado.
E se o Ovo contém em si o mistério da vida celebremos a entrada da primavera e/ou a ressurreição de Cristo com alegria, com abundância, com fertilidade, com esperança na concretização dos nossos desejos e num futuro melhor.
Texto © Luís Barreira, 1991